Blog Z
Por que Suzano?
Luiz Mateus Pacheco
Psicólogo do NAP
CRP 07/27656
Com uma força brutal, a tragédia de Suzano chocou o Brasil
inteiro. Um medo profundo e gelado subiu pelas nossas espinhas: não estamos
mais seguros? O terrorismo invadiu nosso Brasil?
O que mais assusta no massacre foi o modo espetacular como
tudo aconteceu. Suzano não foi um simples crime: foi planejado, conforme
revelam as investigações, para se tornar inesquecível. Mas por que
inesquecível? Por que maior que Columbine?
Por que a morte
pode valer pela vida?
Visto por esse lado, talvez Suzano não seja apenas um
acontecimento qualquer, mas um produto violento de algo que, como a forma de um
sintoma, eclode de nossa sociedade. Ninguém está negando o caráter
psicopatológico dos assassinos, pelo contrário: este é um traço sem o qual essa
tragédia não teria acontecido.
O ponto onde quero chegar é que Suzano foi um ato
‘heróico’ - ou vilanesco, se preferir. Assim como um atleta busca quebrar um
record para se inscrever na história, os assassinos de Suzano também o
buscaram. Para se inscrever na história. Para escrever uma história.
Vivemos numa sociedade onde tudo é produzido e consumido
em massa - inclusive subjetividades. Sem diferença, pouca coisa produz traço de
identidade. Nossa ciência e nossa cultura visual, isto é, aquilo que nos é
oferecido o tempo todo ininterruptamente na forma de espetáculo, produz
excessivo poder de normatização. Vale lembrar o que Michel Foucault escreveu em
Vigiar e punir, há quase meio século: o exemplo, por si só, opera como punição.
Todos temos, como ímpeto interno, um desejo de sermos aceitos e amados e, por
isso, queremos ser incluídos como iguais - às vezes iguais demais.
Vivemos uma crise de identidade. Quem está fora é velho,
obsoleto, fora de forma, fracassado, quebrado ou pior: invisível. Mas, do lado
de dentro dessa normalidade, há também certa invisibilidade. Como uma massa
homogênea, tudo se mistura numa coisa só. Faço alusão ao conceito de
normalopatia usado por Christian Dunker: produzimos, enquanto sociedade e
cultura, sujeitos que não se sentem como sujeitos. Pessoas marcadas por um
excesso de normalidade, indiferenciadas, sem singularidade. Ora, pois é
justamente esse um traço necessário para a constituição de um Eu: a diferença.
Do contrário, inexisto. Então vale a pena morrer para não continuar morto.
Desde que, através dessa morte, consiga produzir traço de existência. Desde
que, através e pelo preço da morte, possa escrever em sangue algum
reconhecimento. E que outra emoção é tão forte em chamar nossa atenção que não
o medo?